Michelle Sanches B. Jeckel
Mestre em Direitos Difusos e Coletivos.
Mestre em Direitos Difusos e Coletivos.
Guarda
Compartilhada de Animais no Divórcio
Sumário:
1. Introdução – 2. Breve Histórico sobre o Divórcio no Brasil – 3. Os Animais e
o Direito – 4. Guarda Compartilhada de Animais - 4.1 Decisões – 5. Conclusão. – 6. Bibliografia.
1.
Introdução
Desde os
primórdios a família ocupa um papel essencial na sociedade, na formação dos
seres humanos e na evolução do Direito, acompanhando as mudanças no decorrer
dos anos, positivando e disciplinando condutas relevantes que acabam por
ultrapassar a moral individual em prol do bem comum, a fim de manter o
equilíbrio e a ordem entre as pessoas.
Nesse
sentido, é importante dizer que, justamente em decorrência da evolução social,
viu-se o Direito frente à necessidade de abarcar diversos tipos de famílias que
foram se formando e solidificando ao longo do tempo, enfrentando o desafio de
oferecer a todas elas igualdade e justiça. Assim, dentre os diversos tipos de
famílias que surgiram, algumas delas trouxeram à baila ao mundo jurídico a
figura daqueles que sempre foram colocados à margem e classificados como bens
móveis pelo Direito: os animais.
Desta forma,
os animais adentraram no âmbito de convivência e proteção das famílias, sendo
considerados como membros destas e não raras vezes, sendo tratados como filhos,
haja vista que a ciência já provou que os animais são seres sencientes, dotados
de consciência[1] e capazes
de sentimentos de toda espécie, assim como os animais humanos.
Por tais
razões, os Tribunais têm-se deparado com situações que, embora ainda não
estejam positivadas em qualquer lei, devem ser enfrentadas, como é o caso de
casais que optam pelo divórcio, pela dissolução dos vínculos que os uniram, no
entanto, possuíam um animal de estimação e não chegaram a um acordo acerca de
quem deteria a posse do animal, razão pela qual a lide tem chegado aos
Tribunais.
Contudo, muito
embora ainda não exista lei que disponha acerca da guarda compartilhada e regulamentação
de visitas de animais de estimação, tramita perante a Câmara dos Deputados em
Brasília, o Projeto de Lei nº 1.058/2011, que se baseia nos dispositivos do
Código Civil que discorrem sobre guarda de crianças humanas, servindo estes
como norte para a elaboração do projeto em comento.
Assim, o
presente artigo visa abordar tal problemática, trazendo algumas decisões
proferidas pelos Tribunais brasileiros acerca do tema. Todavia, é chegado o
tempo de mudanças para o Direito no que tange ao tratamento dispensado aos
animais, tendo em vista que não podem mais ser classificados como coisas ou
objetos, devendo ser detentores, não de direitos da personalidade, mas sim de
direitos que o protejam como espécie. Tal proteção não deve levar em conta a
questão antropocêntrica, colocando o homem como centro de todo o sistema, mas
sim deve ser focada no biocentrismo, onde todos os seres são interdependentes e
possuem valor em si[2].
2. Breve Histórico do Divórcio no Brasil
O Código Civil de 1916 definia o conceito
da indissolubilidade do casamento, no entanto, trazia em seu artigo 318 o
denominado desquite por mútuo consentimento, que constituía uma forma para que
o casal efetivasse a separação, para colocar fim à relação conjugal, o que
posicionava as pessoas na categoria de desquitados e os impedia de contrair
novo casamento. Isso porque, com o advento do desquite o vínculo da união
permanecia entre os cônjuges, mesmo após acertarem questões como alimentos,
guarda dos filhos e partilha de bens.
Desta forma, o casamento permaneceu
indissolúvel ainda com a chegada das Constituições de 1934 e 1967, contudo,
sobreveio a Emenda Constitucional nº 9 de 1977, que alterou o texto
constitucional de modo a permitir a dissolução do casamento sob a condição
prévia da separação judicial pelo prazo de três anos. Nesse sentido, coube ao
legislador ordinário a regulamentação do texto constitucional, fato que
originou a Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977[3].
Posteriormente, com a chegada da
Constituição Federal de 1988, sobreveio evidente avanço no campo do divórcio,
haja vista que o artigo 226, § 6º, estabeleceu que o divórcio poderia ser
efetivado após a prévia separação judicial por mais de um ano nos casos
expressos em lei ou se comprovada a separação de fato por mais de dois anos.
Vale destacar que “até 1977, o Brasil era
o único país do mundo a adotar, na Constituição, a regra da indissolubilidade
do vínculo matrimonial. O prestígio desfrutado por esse princípio devia-se, em
grande parte, à forte penetração do Catolicismo na sociedade brasileira.
Naquele ano, em meio a intenso debate, aprovou-se a emenda constitucional
introduzindo o divórcio. A ordem jurídica somente conseguiu livrar-se de certa
ambiguidade no trato do tema com a Emenda Constitucional n. 66, de julho de
2010.”[4]
Nesse sentido, em 2007, significativa
alteração foi realizada pela Lei nº 11.441, que instituiu o divórcio e a
separação extrajudicial, ou seja, pela via administrativa, bastando para tanto,
o comparecimento das partes ao Cartório de Notas juntamente com um Advogado
para apresentação da petição de separação ou divórcio, que gera os mesmos
efeitos da sentença judicial, desde que o casal esteja de comum acordo e que
não haja filhos menores ou incapazes.
Já no ano de 2010, outra importante alteração
legislativa foi realizada através da Emenda Constitucional nº 66, alterando o
artigo 226, § 6º da Constituição Federal, com vistas a suprimir qualquer menção
a prazos e formas de concessão do divórcio, o que culminou na seguinte redação:
“o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. De tal modo, atualmente
não existe mais óbice para a efetivação da separação ou divórcio quando este
constituir a vontade do casal.
3.
Os Animais e o Direito
A Constituição Federal de 1988, em seu
Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo VI (Do Meio Ambiente), artigo 225,
inciso VII[5],
positivou o direito que todos possuem ao meio ambiente equilibrado, sendo este
um bem de uso comum, entretanto, disciplinou que cabe ao poder público, bem
como à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.
Antes do advento da Constituição Federal, já vigoravam alguns
dispositivos que tratavam sobre os animais, a exemplo do artigo 64 da Lei de
Contravenções Penais, todavia, com o advento da Lei 9.605/98, um feliz
progresso ocorreu com a chegada da “Lei da Natureza”, como também ficou
conhecida ao trazer as condutas lesivas à natureza e suas penas correspondentes
oriundas de violação das normas previstas neste dispositivo.
No âmbito internacional temos a Declaração Universal dos Direitos dos
Animais, que foi proclamada no ano de 1978, em uma sessão realizada
pela UNESCO, em Bruxelas, visando reconhecer proteção aos animais, a fim de que
estes tenham o reconhecimento por meio dos seres humanos ao direito à vida, à
dignidade, respeito e ao amparo contra maus-tratos e qualquer tipo de crueldade
que ignore o direito à existência dos quais os animais são detentores.
Por
outro lado, no Brasil, no âmbito do Código Civil, o tratamento dado aos animais
não se coaduna com a realidade social com a qual eles se encontram, haja vista
que ainda são classificados como “coisas, bens móveis” pelo Direito, ainda nos
encontramos atrasados com tal pensamento, enquanto outros países já evoluíram
em tal quesito, a exemplo do Projeto de Lei francês que alterou o status
jurídico dos animais, reconhecendo-os como seres sencientes[6].
No entanto, vale salientar sobre a existência, aqui
no Brasil, do Projeto de Lei do Senado Federal n. 351/2015, que visa acrescentar ao parágrafo único do art.82, e inciso IV
ao art. 83 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), a
determinação de que os animais não serão mais considerados coisas[7].
No entanto, felizmente a Constituição Federal
de 1988, amparou juridicamente os animais, ultrapassando a visão limitada da
proteção ao meio ambiente adstrita ao tradicional antropocentrismo, ainda que o
arcabouço jurídico seja construído com base no ser humano, o artigo 225 nos
permite ultrapassar a visão civilista limitada a fim de defender os animais e
inclui-los na esfera de proteção do Direito, haja vista que a vida, dignidade
ou bem-estar não constituem atributos exclusivos da espécie humana.
Some-se
a tais fatores, a tendência atual da constitucionalização do Direito Civil, de
tal modo que as normas contidas na Constituição Federal atraem para sua esfera
de atuação todas as demais normas pertencentes aos ramos do Direito
infraconstitucional, como é o caso do Direito Civil, que deixou de ser o eixo
jurídico, o que acarretou uma espécie de
potencialização constitucional, sendo aplicada de formas diretas e
indiretas, indicando princípios e parâmetros no mundo jurídico a servir de
norte para a aplicação do Direito, como vem ocorrendo na proteção aos animais.
Deste
modo, muito embora os casos envolvendo guarda de animais de estimação no
divórcio tenham como base o bem-estar do ser humano, não há como negar o
reconhecimento, ainda que de forma branda, da mudança de paradigma e o papel
social ocupado pelos animais de estimação.
4.
Guarda Compartilhada
O divórcio de muitos casais tem trazido à
baila uma situação incomum para o Judiciário, mas corriqueira frente ao
crescente número de Animais de estimação no país, bem como do crescimento de
sua importância no âmbito das famílias brasileiras. Em muitos processos de
divórcio, os animais de estimação, que ainda são tratados como bem móvel pelo
Código Civil, alcançam status de membros da família, não raras vezes assumindo
papel de filhos, inclusive no momento em que os casais chegam à decisão de
romper o vínculo matrimonial.
Nesse sentido, faz-se necessário ressaltar
que não temos uma lei que verse sobre o tema, no entanto, o Projeto de Lei nº 1.058/11,
que reproduz, em grande parte, os dispositivos do Código Civil que versam sobre
a guarda compartilhada tem como objetivo regular a guarda dos animais de
estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal
entre os casais.
Se aprovada, a Lei concederá autorização
para que o juiz proceda à análise de fatores como ambiente adequado,
disponibilidade para os cuidados com o animal etc., informações que o
auxiliarão a decidir quem será o detentor da guarda do animal de estimação.
O Projeto de Lei considera animais de
estimação todos aqueles pertencentes às espécies da fauna silvestre, exótica,
doméstica ou domesticada, mantidos em cativeiro pelo homem, para entretenimento
próprio ou de terceiros, capazes de estabelecerem o convívio e a coabitação por
questões de companheirismo, afetividade, lazer, segurança, terapia e demais
casos em que o juiz entender cabíveis, sem o propósito de abate.
Nesta esteira, a guarda dos animais foi
classificada em unilateral e compartilhada. A guarda unilateral é caracterizada
pela concessão do animal a uma das partes, que deverá fazer prova da
propriedade através de documento de registro do animal onde conste seu nome e
que seja idôneo. Já a guarda compartilhada ocorrerá quando o exercício da posse
responsável for concedido a ambas as partes.
Nesse ponto, faz-se necessário destacar a
questão da prova, haja vista, a grande variedade de situações pelos quais os animais
de estimação podem ser adquiridos, desde sua compra, doações e resgates nas
ruas. A maioria das decisões tem levado em consideração a propriedade do
animal, analisando em nome de qual cônjuge ele foi registrado, assim como tem
admitido provas por meio de fotos da convivência com o animal.
Entretanto, há muito a ser enfrentado
ainda no que tange aos meios de prova e isso somente poderá ser feito em cada
caso concreto e em consonância com a sensibilidade do julgador. Isso porque,
muito embora o casal que esteja dissolvendo seu vínculo conjugal demonstre
sentimentos profundos pelo animal de estimação, há que se considerar que
cuidados com um animal ultrapassam a esfera do simples “dar um carinho” e
alimentação.
Cuidar de um animal de estimação exige não
somente oferecer um lar, abrigo, comida, carinho e proteção, mas também o
cuidado do acompanhamento veterinário, o convívio familiar, os gastos diários e
a atenção, o tempo que poderá e deverá ser dedicado ao animal, pois, os animais
que foram levados para o âmbito doméstico, assim como as crianças, dependem
exclusivamente do ser humano e essa relação deve ser pensada a longo prazo,
como é a vida do animal, de menor duração que a vida humana, mas que deve ser
protegida até o fim, não devendo ser tratada como mero objeto como pensou o
filósofo René Descartes[8]
ou como simples soma de uma divisão patrimonial ou como instrumento de
manipulação de outra pessoa, haja vista que tirar um animal de estimação do lar
pode caracterizar um dano ao próprio animal e àquele que fica privado da vida
que ama e que convive.
Nesse sentido, de acordo como Projeto de
Lei, caberá ao magistrado a observação de algumas condições para que a guarda
do animal seja deferida, quais sejam, posse responsável, ambiente adequado para
moradia do animal, disponibilidade de tempo, condições de trato, de zelo e de
sustento, o grau de afinidade e afetividade entre o animal e a parte, dentre
outros requisitos que o Juiz considerar imprescindíveis para a manutenção da
sobrevivência do animal, de acordo com as suas características.
Ademais, nada impede que os gastos sejam
divididos, assim como a guarda, o que proporcionará aos seres humanos e ao
animal o direito ao convívio familiar, porque não é somente o homem que sente o
pesar do afastamento com aqueles com os quais convive, prova disso é o modo
como os animais de estimação recebem seus protetores após chegarem do trabalho
ao final do dia, quem tem animal sabe o tamanho do carinho e da saudade
externados pelo animal, tal afirmação dispensa maiores fundamentações.
Por outro lado, enquanto não há
efetivamente uma lei que discorra sobre o tema, o Judiciário tem recorrido à
analogia para solucionar as questões afetas à guarda dos animais de estimação, valendo-se
das regras que disciplinam a guarda compartilhada das crianças, previstas nos
artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil.
No caso de uma das partes já ser detentora
do animal de estimação antes da celebração do matrimônio ou união estável e o
levar para a convivência do casal, a regulação, em caso de desentendimento do
casal quanto à guarda, fica relativamente mais fácil, haja vista que o protetor
do animal pode ter feito o registro em seu nome, assim como possuir carteira de
vacinação e fotos do seu convívio com o animal de estimação, provando que o
animal já era seu antes do casamento devendo permanecer com o seu protetor. De
outro lado, há a possibilidade de elaboração de pacto antenupcial que inclua
cláusula relativa à guarda do animal em caso de divórcio.
4.1
Decisões
O tema da guarda e regulamentação das
visitas envolvendo animais de estimação é desafiador e constitui algo novo para
os Tribunais quando o assunto versa sobre ações de divórcio e dissolução de
união estável, todavia, muitas lides já chegaram ao Judiciário e vêm sendo
decididas de maneira muito acertada.
É o caso de uma decisão proferida em sede
de apelação cível interposta na Sétima Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande
do Sul, onde o marido recorreu para que a decisão de primeira instância fosse
modificada em alguns pontos, entre eles a determinação de que o cachorro de
estimação do casal ficasse sob a guarda da mulher, para tanto, sustentou que o
animal foi um presente paterno, razão pela qual ele deveria deter a guarda do
cãozinho, contudo, não obteve êxito, já que os desembargadores negaram o pedido
alegando que na caderneta de vacinação do cão chamado Julinho, não constava o
nome do homem como proprietário, mas sim da mulher, o que levou a concluir que
era ela quem cuidava do animal de estimação, devendo a guarda permanecer com
ela.
Animal de Estimação.
Mantém-se o cachorro com a mulher quando
não comprovada a propriedade exclusiva do varão e demonstrado que os cuidados
com o animal ficavam a cargo da convivente. Apelo desprovido.
...Igualmente não merece
acolhida o recurso no que diz com o pedido do varão de ficar com o cachorro que
pertencia ao casal. Alega que este foi presente de seu genitor, mas não
comprova suas assertivas. E, ao contrário, na caderneta de vacinação consta o
nome da mulher como proprietária (fl. 83), o que permite inferir que Julinho
ficava sob seus cuidados, devendo permanecer com a recorrida. [9]
No mesmo sentido:
Decisão agravo regimental
– modificação de guarda. Inconformismo contra
decisão que determinou a entrega do cão de estimação do casal à mulher, no
prazo de 48 horas, sob pena de multa. Em recurso de agravo de instrumento
anterior foi autorizada a guarda do animal pela agravada, no entanto, entre
junho de 2012 e fevereiro de 2013, a agravada não deu mostras de possuir
interesse em ficar com o animal, evidenciado pela ausência de diligência.
Autorizada a manutenção da situação fática. Recurso provido. Agravo regimental
improvido. [10]
O comportamento
evidenciado pela agravada, portanto, não demonstra o efetivo interesse em
reaver o animal de estimação, que conforme já restou consignado pelo recurso de
agravo de instrumento fora doado para ambos, uma vez constante no título de
propriedade do animal o nome, não só da agravada, como também do agravante,
ainda que em menor destaque, podendo-se inferir sua igual titularidade para o
domínio. Verificados elementos que demonstram a ausência de interesse da
agravada em reaver o animal de titularidade do casal, justifica-se sua
manutenção sob a titularidade do agravante que dele tem cuidado desde a
separação fática dos litigantes.
Em outra decisão, proferida na Sétima
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Relatora do
julgamento de agravo de instrumento oriundo de ação de divórcio com busca e
apreensão de animal de estimação, entendeu que o cachorro que antes era de
convivência comum no âmbito da família, deveria ficar sob a guarda da mulher, pois,
a agravante anexou nos autos fotos do animal de estimação, comprovando o longo
relacionamento dela e seu filho com o animal.
Destacou que, foi acrescido às provas
colacionadas nos autos, o fato de o marido, em sua inicial, ter conseguido ver
deferida a medida que determinada a busca e apreensão do animal que se
encontrava na casa da requerida, contudo, alegou a ex-esposa, em sede de
recurso, que jamais fora comprovado que o cachorro era de estimação do ex-cônjuge,
pois ele sequer juntou as características do animal ou provou que era seu
proprietário.[11]
Nesse
sentido, a decisão de regulamentação de visitas proferida pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo:
Animal de estimação. Mantém-se o cachorro
com a mulher quando não comprovada a propriedade exclusiva do varão e
demonstrado que os cuidados com a animal ficavam a cargo da convivente. Apelo
desprovido.[12]
Trata-se
de Ação de regulamentação de visitas de animal de estimação que foi indeferida
por impossibilidade jurídica do pedido. Em sede de recurso, sustentou o autor
que o tratamento de semovente ao animal é inadequado, haja vista que constitui
algo indivisível e infungível, não podendo ser partilhado. Alegou também que o
Judiciário não pode deixar de analisar uma questão por ausência de legislação
específica do assunto.
De forma brilhante e consciente, sustentou
o Desembargador Relator José Carlos Teixeira Giorgis que no caso não havia
nenhuma lei vedando a pretensão, de tal modo que a impossibilidade jurídica do
pedido ocorre quando há expressa proibição do pedido no ordenamento jurídico,
exemplificando o tempo em que o casamento era indissolúvel (artigo 175 da
Constituição Federal de 1969), o que impossibilitava o pedido de divórcio.
Assim, a sentença do Juízo a quo foi cassada, muito embora tenha
ressaltado que não há ainda entendimento pacífico acerca do tema, contudo,
salientou que não haveria necessidade de estudo social ou psicológico, não
dependendo o desfecho da causa, de perícia, justamente por se tratar de um
animal.
Por fim, citou entendimento análogo em
decisão proferida no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, fixando regime de
visitas envolvendo animal de estimação[13].
Tal decisão traz grande inovação no que
tange aos animais em sede de divórcio, pois levou em consideração o contexto sócio
jurídico da dignidade da pessoa humana inserida na Constituição Federal de
1988, frente à importância da atualidade do tema acerca dos animais de
estimação, salientando que tal tema é desafiador frente aos conceitos e dogmas
clássicos do Direito Civil, entretanto, é inquestionável a importância que os
animais de estimação vêm ostentando em nossa coletividade, razão pela qual,
ainda que falte ao nosso ordenamento jurídico disciplina legal sobre o tema,
este não pode passar desapercebido aos olhos do operador. Afirma ainda o Desembargador,
que não custa dizer que há animais que compõem afetivamente a família dos seus
donos, a ponto da sua perda ser extremamente penosa.
Outrossim, discorreu em sua fundamentação
que, em casais, jovens ou não, muitas vezes o animal “simboliza” uma espécie de
filho, tornando-se, sem nenhum exagero, quase como um ente querido, em torno do
qual o casal se une, não somente no que toca ao afeto, mas construindo sobre
tal toda uma rotina, uma vida.
A apelação cível foi interposta pelo
ex-marido contra a sentença de que, em sede de dissolução de união estável c/c
partilha de bens, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer e
dissolver a união estável entre as partes e determinou ainda, que a autora
ficasse com a posse do cão de estimação do casal.
O recurso interposto insurgiu-se
unicamente com relação à posse do animal de estimação, muito embora houvesse na
inicial, o pedido de divisão de diversos bens móveis adquiridos durante a união.
Nesse sentido, ressaltou o Relator que o semovente não pode ser tratado como
simples bem, muito embora, a solução buscada não tenha o condão de conferir
direitos subjetivos ao animal, mas que traduz, por outro lado, mais uma das
manifestações do princípio da dignidade humana.
Desta forma, em razão da ausência de
normativa regente do tema, sopesou os elementos colacionados aos autos e
manteve a guarda do cão de estimação com a mulher frente às provas e motivos
constantes no processo, no entanto, levou em consideração os vínculos
emocionais e afetivos construídos em torno do animal no tempo de convivência em
comum.
Para tanto, permitiu ao recorrente que, se
fosse de sua vontade poderia ter a companhia do cão, exercendo a sua posse
provisória, devendo tal direito ser exercido no seu interesse e em atenção às
necessidades do animal, sendo-lhe facultado buscar o cão em fins de semana
alternados e nos horários estabelecidos na decisão.
5.
Conclusão
O Direito e a sociedade mudam de acordo com a
evolução que os moldam com o decorrer do tempo e das circunstâncias. As leis
não são estáticas, pelo contrário, devem se movimentar para acompanhar a sociedade
e ouvir os clamores de tudo que é relevante para o mundo jurídico. A lei
precisa estar ao lado daqueles que dela necessitam, razão pela qual se mostra
tão relevante a inclusão, no âmbito por enquanto do Direito de Família, da
regulamentação de guarda e visitas no que tange aos animais de estimação nos
casos de dissolução de sociedade conjugal.
Os animais não são meros
bens móveis, não temos como ouvi-los com os meios de comunicação que achamos
comuns para nós humanos, contudo, sabemos que podem se expressar. Os Animais
são seres dotados de atributos semelhantes aos dos seres humanos, são capazes
de sentir alegria, medo, fome, dor, assim como de doar amor e carinho,
direcionando tais sentimentos, não raras vezes, aos homens, principalmente
àqueles que sabem compreender que toda espécie de vida possui particularidades
e merece respeito.
Por estas e dentre tantas
outras razões, ainda que inicialmente para atender aos clamores
antropocentristas, a atenção do Judiciário para com as causas que envolvem animais
no divórcio merece aplausos. Sinal de que o Direito está evoluindo junto com a
sociedade e tornando a caminhada em busca de justiça mais branda àqueles que
dela necessitam, ainda que determinadas situações não estejam positivadas em
lei, o Judiciário está valorizando a vida, temperando a rigidez do Direito com
a sensibilidade da experiência da vida.
Estamos caminhando para
novos entendimentos, novas visões e novas decisões, dando ensejo a esferas
inclusivas em todos os sentidos e espécies. Assim, o fato de duas pessoas não
conseguirem mais dividir o mesmo teto, não significa que não possam
compartilhar algum tipo de amor, e este muitas vezes se perpetua na forma de um
animal de estimação, que mesmo sem poder se comunicar no padrão que conhecemos,
ensina muito aos seres humanos sobre convivência, paciência e amor. Ainda
estamos caminhando, mas tudo indica que estamos na direção certa.
6.
Bibliografia
LOBO,
Paulo.
Direito Civil – Famílias. De acordo com a Emenda Constitucional n. 66/2014
(Divórcio). 4ª Edição. Editora Saraiva: 2011.
MELO,
Nehemias Domingos de. Lições de Direito Civil - Família e
Sucessões. Volume 5, Editora Atlas.
2014: São Paulo.
Links:
· http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/nao-e-mais-possivel-dizer-que-nao-sabiamos-diz-philip-low
[1]
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/nao-e-mais-possivel-dizer-que-nao-sabiamos-diz-philip-low
[2] A
utilização de animais como “coisas” ainda se perpetua na sociedade de diversas
formas, no entanto, o presente artigo ficará adstrito ao âmbito sentimental do
valor dos animais na esfera do Direito de Família e não abordará
questões culturais e psicológicas, tais como: “porque amamos alguns animais e matamos outros?”.
[5]
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para
assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas,
na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
[6]http://www.anda.jor.br/03/02/2015/decisao-historica-franca-altera-codigo-civil-reconhece-animais-seres-sencientes
[8] O filósofo René Descartes, acreditava na afirmação: “penso, logo
existo”, tal máxima limitava o homem à sua mente. Sua obra “O Discurso do
Método” originou a teoria do animal máquina. Para ele, homens e animais
guardavam grande separação, pois aos últimos não foi dado o poder de falar e
expressar sentimentos, sendo isentos de razão, desta forma, os animais podem
ser imitados por máquinas, não eram detentores de um espírito
ou sentimentos, afirmava que a natureza que atua nos animais através de seus
órgãos é como um relógio que é composto de molas. Por outro
lado, filósofos como Montaigne, Voltaire e Rosseau defenderam um pensamento não
manipulador da natureza. Voltaire se indagava porque os mestres se questionavam
onde estaria a alma do animal, para ele, tal discussão não teria sentido, pois,
o homem não tem base ou autoridade para definir o que é alma.
Disponível em: http://odireitodosanimais.blogspot.com.br/2013/11/os-animais-nao-existem-em-funcao-do_4586.html
[9] Apelação Cível. 7ª Câmara
Cível Nº 70007825235: Comarca de Caxias do Sul.
[10] Agravo
Regimental-Dissolução.Nº0072779-02.2013.8.26.0000.
Relator James Siano. Comarca: Mogi das Cruzes. Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 23/07/2013
[11] Agravo de Instrumento nº
70064744048, 7ª Câmara Cível, TJ/RS, Relatora Liselena Schifino Robles Ribeiro,
Julgado em 12/05/2015.
[12] Apelação Cível nº 70007825235,
7ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em
24/03/2004.
[13] Apelação nº
0019757-79.2013.8.19.0208, 22ª Câmara Cível, Relator Marcelo Lima Buhatem,
julgada em 27/01/2015.
Artigo publicado em:
https://jus.com.br/artigos/41574/guarda-compartilhada-de-animais-no-divorcio
http://misanches.jusbrasil.com.br/artigos/221509530/guarda-compartilhada-de-animais-no-divorcio
http://www.editorarumolegal.com.br/wp-content/uploads/2015/09/Artigo_Guarda-Compartilhada-de-Animais.pdf
Artigo publicado em:
https://jus.com.br/artigos/41574/guarda-compartilhada-de-animais-no-divorcio
http://misanches.jusbrasil.com.br/artigos/221509530/guarda-compartilhada-de-animais-no-divorcio
http://www.editorarumolegal.com.br/wp-content/uploads/2015/09/Artigo_Guarda-Compartilhada-de-Animais.pdf
Nenhum comentário:
Postar um comentário